O outro lado do turismo

Jaqueline Leite

O turismo sexual internacional possui características diferenciadas do turismo comum, que tem por finalidade o lazer e o deleite com as belezas naturais e culturais do país visitado. Neste sentido, é fundamentalmente distinto do primeiro, que está caracterizado pela exploração sexual praticada internacionalmente há algumas décadas, primeiramente na Ásia, na década de 70, e posteriormente na América Latina, a partir da década de 80 . Praticado especialmente por homens europeus, japoneses e americanos, o turismo sexual está baseado em relações desiguais entre países, reproduzindo ideologias e práticas racistas e sexistas fundadas em relações de desigualdade social, econômica, política e cultural. O turismo sexual não só muda o comportamento do indivíduo que o pratica como, também, fortalece preconceitos. O turista que viaja para um país distante tem a sensação de que, pelo fato de ser desconhecido, terá a oportunidade de praticar tudo aquilo que em seu país de origem jamais seria permitido. Nesse sentido, foram criados pacotes de viagem que, além da passagem, inclui a companhia de uma menina ou mulher, que pode ser escolhida previamente, através de fotos e até mesmo vídeo, em casos mais sofisticados. Tendo os países do chamado “terceiro mundo”, para onde a maioria se desloca, a imagem de ser território onde tudo é permitido e onde não existe justiça, o turismo sexual aproveita-se dessas pseudo-justificativas para explorar sexualmente mulheres jovens e principalmente crianças. Esses turistas, com visões distorcidas da cultura do país para o qual viajam, justificam que o fato de manterem relações sexuais com crianças e mulheres pobres, além de não ferir os tabus sexuais, representa uma ajuda financeira para aquela que fizer as “honras da casa”. Outro aspecto comum no perfil desse turista é a falta de escrúpulos em considerar crianças como seres inferiores. O governo brasileiro passou a investir muito, a partir da década de 70, na estrutura turística do país. Vinhetas de propaganda, durante esse período, já insinuavam a sensualidade da mulher brasileira como um forte componente para o turismo sexual:

“As praias do Brasil ensolaradas, Mulatas soltam gingas de amor, A mão de Deus abençoou, Em terras brasileiras vou plantar amor, ...” (Ex. de vinheta veiculada nos meios de comunicação nos anos 70)

Nitidamente, percebe-se o grande apelo sexista para o turismo no Brasil, que teve seu ponto de partida no Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa. Músicas como Garota de Ipanema, grupos folclóricos como As Mulatas do Sargentelli foram grandes estímulos no exterior, culminando na divulgação de um turismo ligado basicamente à figura da sensualidade e da beleza da mulher brasileira. A partir dos anos 90, o nordeste brasileiro começava a ser bastante divulgado e, por conseqüência, procurado com vistas ao turismo sexual. Dados coletados no exterior, por entidades que trabalham com a temática, apontaram para o fato de que esse deslocamento de região deveu-se ao grande número de casos de AIDS no Rio de Janeiro e à violência que passou a não mais dar segurança ao turista. Outros fatores, além dos citados acima, contribuem para a grande procura de turistas estrangeiros por cidades do nordeste brasileiro: os estados passam a investir massivamente na atividade turística, e investidores internacionais começam a ver o nordeste como um alvo para essa indústria. Verifica-se um incremento na construção de novos hotéis, os vôos internacionais que anteriormente, nos anos 70 e 80, concentravam-se basicamente no eixo Rio de Janeiro/São Paulo passam a ser oferecidos diretamente para esses estados, de modo a possibilitar ao turista uma viagem que o leve diretamente ao seu destino. Enfim, desenvolve-se no nordeste brasileiro toda uma estrutura de comodidade que atrai o turista estrangeiro diretamente para essa região. A partir de então, o turismo sexual cresce de maneira alarmante em cidades como Salvador, Recife, Fortaleza, Natal e outras capitais dessa região. É claro que esse deslocamento está diretamente ligado ao fato de ser o nordeste a região mais afetada pela pobreza no país e pela predominância de sua população negra e mestiça, considerada exótica para a maioria dos turistas do sexo. São muitos os fatores que contribuem para que o turismo sexual se desenvolva no nordeste: a inclusão de atividades sem especialização na indústria do turismo; a conivência das autoridades nacionais; a imagem de sensualidade, erotismo e liberdade sexual, tanto nas propagandas turísticas quanto na literatura; o processo de erotização do cotidiano; e a banalização do sexo através da mídia. Pesquisa promovida pelo CHAME sobre o turismo sexual em Salvador, entre 1995 e 1997 (O que é que a Bahia tem..., 1998) aponta a atuação indireta de porteiros, camareiras, taxistas, etc. na indústria turística, contribuindo para a promoção do turismo sexual em larga escala, uma vez que os baixos salários dão margem à busca do ganho extra propiciado pela prestação de serviços ao mercado sexual. Questões ligadas à auto-estima fazem com que essa exploração ganhe espaço dentro da sociedade. O simples fato de relacionar-se com um estrangeiro é, para uma mulher jovem ou mesmo adulta, símbolo de status dentro da sociedade colonizada e racista em que vivemos. Trata-se da ascensão social de uma jovem negra ou mestiça, hoje bastante divulgada e incentivada inclusive pela mídia, através de sua beleza exótica e do seu corpo, ganhando uma maior dimensão dentro das classes mais afetadas pela miséria. O encontro com esse turista pode resultar em uma porta para o sucesso e estabilidade econômica e, talvez, até um casamento estável e seguro. Por outro lado, o turista sexual que se destina a lugares como a Bahia, por exemplo, tem o objetivo muito claro de conseguir uma acompanhante que possa desempenhar três funções bem definidas: • “Guia de Turismo: essa acompanhante poderá levá-lo a lugares turísticos sem nenhum tipo de gasto com o trabalho de um guia de turismo profissional”. • Segurança: ela o conduzirá a locais que sejam seguros, sem riscos de assalto e, ao mesmo tempo, onde os preços são módicos evitando, assim, que seja enganado devido às dificuldades de comunicação. • Fantasia sexual:

Algumas conseqüências do turismo sexual: deprecia a imagem da mulher; reproduz papeis sexistas e ideologias racistas; impacto nefasto às comunidades onde se constrói complexos turísticos; violação dos direitos humanos; exploração sexual de crianças e adolescentes; retração da demanda turística cultural, artística, ecológica e familiar; proliferação de DST´s e AIDS; e fomenta o Trafico de mulheres, crianças e adolescentes.

O fenômeno do turismo sexual não é uma característica do Brasil, e sim do sistema de dominação patriarcal que rege grande parte do mundo. A grande exploração reside nessa relação entre países do “primeiro” e “terceiro” mundo, que além de não respeitarem os direitos humanos, acreditam que aqui tudo é permitido e que somos um país (Brasil) onde não há limites nem leis que se encarreguem de puni-los. O turismo Sexual é uma indústria extremamente rentável e, ao mesmo tempo, sem escrúpulos quanto ao respeito à dignidade humana..
Breve curriculum:

Jaqueline Leite, estudou Artes na Universidade para o Desenvolvimento de Santa Catarina UDESC. Em 1985 mudou-se para Áustria onde trabalhou no Serviço Austríaco de Desenvolvimento entre outros. No ano de 1990, a convite do FIZ (Centro de Informações para Mulheres da Ásia, África, América Latina e Leste Europeu, em Zurique, onde trabalhou especificamente no atendimento a mulheres brasileiras e dominicanas que se encontravam em situação de tráfico e problemas relacionados à migração internacional. Atualmente é coordenadora Geral do CHAME – Centro Humanitário de Apoio à Mulher, ONG que trabalha na prevenção ao Trafico de Mulheres e Turismo Sexual em Salvador – Ba.